T R A N S I ÇÃO

T R A N S I ÇÃO
Uitonius, um amigo de Júpiter.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

O ,passado -Post 134

A companhia de Fúlvia me inquietava.Sentia-me vivenciar um pretérito distante. Um triste episódio duma existência curta mas com sentimentos fortes. Um laço que permanecia; me sufocava.
As lembranças fluíam resolutas. Olhava aquela bela mulher e via a menina que um dia colocara fogo no coração dum jovem. 


Éramos duas crianças e vivenciamos uma grande paixão. 
Por isso sofremos o peso das lâminas cruéis em vingativas degolas. 

Olhei-a e via aquela menina com seus dezesseis anos; olhos negro como sua pele, lábios vermelhos e cabelos sempre presos por laço de singular tonalidade avermelhada. Falava sorrindo em exposição aos dentes perfeitos e alvos; hálito do cravo da índia que sempre mastigava. O corpo já formado dava-lhe um porte de princesa, embora a bata branca sempre encardida e as sandálias remendadas.

Conheci-a na chácara de elegante senhora que me tomara como protetora pelas minhas aventuras abolicionistas. E esta senhora, apaixonada pela minha vitalidade não suportou a notícia do meu envolvimento com uma escrava. Sentenciou-nos à morte.
Mas eu queria apenas as recordações dos nossos encontros em meio aos cafezais. Falávamos de nossas vidas e eu lhe prometera arrebatá-la, a qualquer custo do terrível cativeiro.
Estávamos apaixonados e executaríamos o nosso plano de fuga, contudo, uma ama da rica fazendeira descobriu tudo e frustou nosso intento. Fomos mortos por capatazes. Eu degolado e a menina Nazaré, semi esquartejada.

Fúlvia esboçou leve sorriso consciente das recordações que me assaltaram. 
-Gui, meu amor por você continua sendo o mesmo dos séculos passados. Te acompanhei por diversas encarnações, inspirando-te ao bem e aguardando a tua regeneração.Hoje, te vendo entre nós, meu Espírito parece ter cumprido uma grande tarefa.Nossos caminhos são caminhos que dificilmente se cruzarão novamente, mas levo sempre a certeza do meu amor pelo jovem Aurélio (este foi meu nome naquela encarnação) e pelo Gui, de hoje.O sublime amor espiritual.

-Não me digas mais nada; falarei com Uitonius e me disporei a encarnar, também na África contigo;nessa missão que te espera.
Ela sorriu singelamente e tocando seus dedos no espectro do meu rosto, falou-me:
-Já tenho um companheiro destinado para a missão. Me casarei com um cientista alemão e juntos executaremos um serviço de grande valia para erradicação de diversas moléstias que assolam, ainda, aquele Continente.

-E filhos ... não terás filhos?
Ela não soube o que responder e, então continuei.
-Pois quero estar contigo como teu filhinho. Quero te acompanhar e
estar em tua vida. Creia-me, não busco em ti o prazer carnal. Quero te sentir no grande amor espiritual que já sinto.

Ela chorava.
-Prometo-te que falarei com Uitonius sobre esta possibilidade-Você entende que, talvez, possam haver outros planos para a tua caminhada.
-Quem sabe, não é mesmo, eu venha a te ter no meu colo e te embalar como tua mamãe? Seria uma grande felicidade para mim.

Agora, já ríamos.
Seria um desfecho à uma história interrompida. 

Eu sempre acreditei que, passem séculos ou milênios, todas as histórias acabam com um final feliz, venham pelo amor, pelo perdão, pela dor. A reconciliação é inexorável.
Lembra-te que nos ensinaram:"Pagarás até o último cetil".

-Voltemos, disse-me ela, aguardam-te novas tarefas e instruções.

Fiquei a meditar no "amai-vos como eu vos amei".
Seria este o primeiro passo que acabara de dar?

CONT.






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