Perguntei ao meu filho se ele não estava cansado de tanto me ouvir falar. Afinal, já falava há mais de duas horas.
-Quem poderia se cansar seria você; por mim, eu escuto a noite toda, respondeu-me conciso e franco.
-Pois bem, eu dizia que Uitonius havia sido anunciado por Flamínio, e, imediatamente olhei na mesma direção dos seus olhos. Um casal se aproximava. Ele alto, louro com pequena névoa grisalha já se manifestando; ela, a verdadeira flor de ébano. Uma negra tão linda...porte de rainha que de todos arrancava olhares. Alta e elegante, cabelos ondulados a lhe cobrir os ombros, sorriso sem expoentes comentáveis, olhos esverdeados; vestia uma túnica dourada que me lembrou Cleópatra (não sei porque) a rainha do Nilo. Aproximaram e pararam a alguns centímetro de mim. Eu estava mudo, petrificado.
-Eis que me encontro com paizinho, de forma lúcida, frente a frente, depois de tantos séculos.
Falou-me, tomando a iniciativa. Senti rolarem algumas lágrimas que eu nem me importei em saber se eram materializadas ou não; era o soluço da minha alma que aflita entrava em êxtase. Deixei-me envolver por aqueles braços longos que me apertaram em seu peito. Senti seu beijo em minha face e chorei. Chorei como a criança que revê seus pais após perder-se, como chorou Paulo em Damasco. Ele passou seus dedos em minha face buscando secá-la e apenas sorria ...e eu sorri. Foram instantes de eterna meiguice; um carinho que abarcava todas as possibilidades do puro amor.
-Meu filhinho, disse-lhe entre soluços.
-Papai, como está sendo maravilhoso sentir, outra vez o teu amor.
Ficamos ali nos olhando até que Flamínio, mostrando forte emoção, convidou-nos a sentar. Então, com atitude de cavalheiro, Uitonius nos apresentou a linda companhia:
-Esta é Fúlvia que fez questão de te conhecer; a mais linda colaboradora do meu departamento.
Notei que a jovem ficara encabulada com o elogio, porém com a galhardia duma grande dama replicou:
- Teu filho, sempre tão espirituoso; todas de seus departamentos somos as mais linda.
Todos rimos. O gelo estava quebrado.
-Tratemo-nos de Guigui e Uitonius, sugeri.
-Se assim achas melhor, assim será, respondeu-me, contudo, com isso não deixarei de ser teu eterno filhinho.
Depois que disse aquilo, me arrependi; não que eu estivesse renegando um tratamento carinhoso ... apenas senti que não queria, de maneira alguma, forçá-lo a nada. Senti que ele me entendeu, afinal, nas nossas comunicações eu sempre o chamara de Uitonius e ele, a mim, de Gui.
-Deixe-me explicar o interesse de Fúlvia em te conhecer, mas primeiramente permita-me um retrospecto de suas vidas.
Eu escutava atento e curioso.
-Fulvia teve diversas encarnações no Egito e na Etiópia. Sempre dedicada ajudou seus povos nos valores morais e de liberdade. Em Angola, sua última encarnação naquele Continente, teve sua comunidade invadida por mercenários dedicados ao tráfico de escravos e veio, ainda menina aportar na cidade do Rio de Janeiro. Vendida a família ilustre cresceu com a confiança de seus "donos" e ajudou na criação de seus filhos. Em nova encarnação, nasceu em Friburgo, filha de escravos sofreu assédio sexual de um dos filhos de um grande fazendeiro e, por não corresponder ao jovem equivocado, foi injuriada e morreu no tronco, e, finalmente na sua última encarnação ainda no Brasil foi casada com um escravo também e teve um casal de gêmeos. Muito nova ainda foi vendida para o Imperador, ainda jóvem, Pedro II e tornou-se ama de leite da princesinha Izabel; esta ensinava tudo o que aprendia de seus professores para a negra amada. Antes do Imperador deixar o Brasil uma erisipela a fez desencarnar. Bondosa e autruista, Espírito de muitas conquistas, não necessitava mais de provas ou expiações e foi abençoada pela Providência para nova encarnação em Júpiter.Esta é a sua primeira encarnação e, toda ela dedicada ao magistério de passos diversos.
-Aqui, pelo voluntariado, tem se dedicado ao ensino da língua portuguesa e História deste grande Pais aos companheiros que se lançam, voluntariamente as lidas da evolução.
Eu estava encantado; verdadeira história de doação da própria vida ao bem do próximo.
-Então Guigui, quando ela soube que te receberíamos; um brasileiro tão próximo de suas raizes ela me expressou a vontade de conhecer um patrício de tempos idos.
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